Álbuns da Guerra Colonial (Albano Costa Pereira, Angola 72-74)

Esta publicação é feita em parceria com o BUALA.

Informações sobre o álbum:
Partida para Angola: Setembro de 1972
Duração da comissão: Setembro de 1972 a Julho de 1974
Génese do álbum: início da década de 1980
Locais fotografados: Luanda, ilha de Luanda, Luena (ex-Luso), Cacuso, Pungo Andongo, Cazombo, Ninda, Lumbala Nguimbo (ex-Gago Coutinho), Mavinga, Huambo (ex-Nova Lisboa).
Províncias fotografadas: Luanda, Huambo, Cuando-Cubango, Moxico, Lunda.

Depoimento do autor Albano Costa Pereira, n. 1942, engenheiro civil (escrito em Agosto de 2019, em Lisboa):

"O álbum de fotografias tiradas no decorrer da minha comissão em Angola (1972- 1974), objeto deste meu depoimento, foi “construído” quase uma década depois do meu regresso a Portugal. Durante esses anos, as minhas fotos (cerca de 600), amontoavam-se em envelopes, de forma desorganizada. No período que se seguia ao 25 de Abril, estava muito empenhado no Processo SAAL. O tempo da minha comissão em Angola era algo que queria esquecer. Foi só no início dos anos 80, já na ressaca dos “sonhos de abril”, que senti necessidade de rever esses materiais e de reconstruir a memória desses tempos vividos numa guerra injusta, num território que infelizmente se confrontava nessa altura com outra guerra. Ao fim de uma demorada seleção, organizei, com uma metodologia que se pretendia cronológica e temática, um álbum com cerca de 300 fotos que registavam diversas situações vividas no decorrer desses dois anos no Leste de Angola nas chamadas “terras do fim do mundo”. Este conjunto de fotografias são o testemunho de alguém que, como muitos milhares de jovens, viveu uma guerra colonial apesar de ter sempre estado contra a guerra. Como escreveu Charles Baudelaire: os álbuns fotográficos constituem “arquivos da nossa memória”.

O meu primeiro contacto com a fotografia aconteceu aos 16 anos quando fiz as primeiras fotos tiradas com uma velha máquina alemã do meu pai (Voigtlander). Em 1969 comprei a primeira máquina (Canon QL). Para além de fotografias de família e de viagens, sempre me interessou a realidade à minha volta em tempos de ditadura. Fotografias que não tinham qualquer objetivo de publicação ou exposição, somente testemunhos pessoais. Considere-se que, a partir desse tempo, a minha relação com a fotografia, embora de um modo amador, tornou-se permanente. A velha Canon passou a acompanhar-me sempre.

Terminado o meu curso de engenharia civil (1970) aconteceu-me o que já esperava: incorporação no serviço militar - Mafra, Tancos, Pontinha, Santa Margarida - e partida para Angola (em setembro de 1972), numa companhia de construcções na arma de engenharia (arma dita “não combatente”…), colocada no leste de Angola. E lá vou eu, junto com mais 120 rapazes, num avião da FAP. A minha Canon fez logo os primeiros registos ainda no aeroporto de Figo Maduro. Começava aí uma nova etapa na minha vida…. Ao sobrevoarmos Luanda, impressionaram-me as enormes áreas de barracas dos musseques (que fotografei). Após aterrarmos, e já a caminho do quartel, atravessámos largas ruas numa cidade com enormes e modernos prédios e trânsito intenso. Apercebi-me logo que estava numa terra com enormes contrastes. Foi também estranho não serem visíveis na cidade sinais de guerra, a não ser as viaturas militares que passavam e grupos de soldados nas cervejarias. A nossa companhia foi colocada no Luso (hoje Luena) a 1.300 Km de Luanda, leste de Angola numa área designada por “terras do fim do mundo”. Era uma zona mais ou menos plana com baixa densidade populacional. Nesses lugares já eram patentes sinais da guerra. Com as minhas funções de engenheiro civil, numa companhia de construções, acompanhei obras em diversos lugares, o que me permitiu conhecer um pouco do Leste de Angola, fazendo muitas fotos nos lugares por onde passei: Cazombo, Ninda, Gago Coutinho, Mavinga, Luso e outros. Fotos das terras, das gentes (especialmente crianças que corriam atrás de nós pedindo “foto”…), dos sinais da guerra. Marcou-me, apesar da pobreza que muitos negros e negras demonstravam, a sua enorme dignidade na postura, especialmente nos velhos. As fotos que fiz eram sempre com o seu consentimento. Entristecia-me que raramente pudesse satisfazer os seus pedidos para obtenção dessas fotografias. Numa zona em guerra causou-me estranheza não ter tido qualquer limitação militar ou policial à realização de fotografias.

No dia 25 de abril encontrava-me em Ninda fazendo uma obra. A guerra, especialmente com o MPLA, terminou de imediato. No dia 1 de maio regressei à sede da companhia no Luso e aí integrei a comissão do MFA para a Zona Militar Leste. Na minha companhia, coordenei uma campanha de “consciencialização e politização” dirigida aos militares: jornais, cartazes, sessões de esclarecimento, ocupação do Rádio do Moxico. Duas das últimas fotos do álbum, feitas em Nova Lisboa (agora Huambo), com alguns furriéis, já a caminho da “Metrópole”, ilustram bem o nosso estado de espírito.

Poema de António Cardoso*

Quando será que este cacimbo nos abandona
E o Sol virá sorrir por cima do meu telhado?
… antigamente, nos meus tempos de menino,
o meu telhado de zinco
tinha furos pequenos
por onde espreitava o Sol…
Antigamente…
Quando será que este céu pesado de chumbo nos abandona
E aquele azul antigo
Virá sorrir por cima do meu telhado

Luanda 1963

*Natural de Luanda, publicado no jornal da companhia de julho de 1974.