Isto era uma aldeia que eu estava lá e andava sempre com os filhos deles. Porque a mim nunca ninguém me tocava. Estava com os filhos deles! Os filhos dos terroristas, que a gente chamava de terroristas, mais terroristas éramos a gente, mas isso é outro assunto. E eu andava sempre com os filhos, ia a Bolana lá buscar as coisas de comer para eles, com elas, sempre, e os gajos não me faziam nada. Eu podia ir para o mato, ia assim, sem armas, sem nada, uma faca de mato por causa dos bichos, nunca me faziam mal. Mas isto era… eu estive lá, eu era contra a guerra. Era e sou. A gente agora anda da falar muito do Putin e destes e daqueles, mas a gente também fez a mesma coisa, ou pior. Mas pronto. Invadimos Angola, fizemos em Angola o que fizemos. No Brasil, 500 anos, Moçambique, Guiné, São Tomé e Príncipe, todo o lado a gente andou, não fez só bem. Mas isso são situações… eu fui para lá, fui obrigado. Fui para lá porque o meu pai foi preso em Caxias, como comunista. Aqui em Montemor houve quem denunciasse que ele era comunista e foi preso. E eu fui sempre considerado filho de um activista comunista, tanto que no meu cartão de identidade tinha um sinal vermelho. E assim que foram as mobilizações, Guiné! Para o pior sítio da Guiné que era lá para ver se me limpavam o sarampo. Mas ainda cá estou e já morreram muitos mais desses que fizeram mal. E então foi assim. E eu quando abalei para lá tinha uma filha com seis meses. A minha filha que vai fazer 52 anos. Isto foi um sofrimento.
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